O Papel das Instituições Estatais no Mundo Digital • Diário Económico

Sabe-se que o caminho rumo à implementação da governação electrónica ainda é longo. Mas o que tem sido feito pelas diferentes entidades estatais responsáveis?

A entrada de novos intervenientes no mercado tecnológico em Moçambique é um sinal positivo, num cenário em que muito está por fazer até que a governação electrónica seja comparável ao que já se faz na África Austral. Há uma “oferta de serviços de centros de dados por parte de novas empresas a emergir, que permitem estabelecer ‘clouds’ privadas, ‘hosting’ (alojamento de sites e serviços na Internet) e ‘housing’ (aluguer de um espaço físico num centro de dados para instalar servidores)”, refere Bruno Dias, parceiro de consultoria (consulting partner) da Ernst & Young (EY) Moçambique.

Esta oferta floresce ao mesmo tempo que o Instituto Nacional de Tecnologias de Informação e Comunicação (INTIC) colocou em consulta pública o regulamento de construção, operação, registo e licenciamento de centros de dados, bem como o regulamento de registo, hospedagem e operação de serviços de computação em nuvem.

“O principal desafio neste domínio prende-se com o alargamento aos distritos rurais”, mais carenciados de infra-estruturas para integrar o ecossistema tecnológico assente na Internet. A solução pode passar pelo acesso à Internet “com tecnologias via satélite”, defende Bruno Dias.

A lista de desafios para informatizar o Estado envolve três instituições: além do INTIC, o trabalho envolve o Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM) e o Instituto Nacionalde Governo Electrónico (INAGE).

A baixa literacia digital da população agrava as dificuldades de disseminação de novos serviços electrónicos, dificultando o aproveitamento das soluções oferecidas pelo INCM

O papel das instituições estatais

O INTIC actua na formulação e implementação de regulamentos para o uso seguro de novas tecnologias na administração pública. Exemplo disto é a tradicional certificação digital de documentos, com um “Assinador Digital Avançado” que o INTIC disponibiliza no seu portal. O serviço permite, a quem tem contas junto de entidades estatais, assinar documentos electronicamente – oferecendo também a função de verificação de autenticidade a quem recebe os documentos. A solução tem possibilitado a certificação de contratos e documentos jurídicos num processo integralmente online. Segundo Lourino Chemane, presidente do INTIC, a ferramenta é usada por dez instituições da função pública e a perspectiva é de crescimento.

O INCM, por sua vez, tem investido na inclusão digital através do Fundo de Serviço de Acesso Universal (FSAU) que apoio um “projecto de conectividade rural” em 10 locais nos distritos da Manhiça (província de Maputo), Macia, Chokwe (Gaza), Massinga (Inhambane), Dondo, Gorongosa (Sofala), Nicoadala (Zambézia), Ribaue, Monapo (Nampula), e Mandimba (Niassa).

Só que os resultados práticos estão muito aquém do esperado, devido à falta de uma infra-estrutura robusta. Um dos principais entraves é a limitada cobertura da rede de telecomunicações, que impede que grande parte da população tenha acesso a serviços digitais de qualidade. Apesar dos planos de expansão de fibra óptica, a distribuição é deficiente e os custos de acesso à Internet são elevados.

Identificar as fragilidades

A baixa literacia digital da população agrava as dificuldades de disseminação de novos serviços electrónicos, dificultando o aproveitamento das soluções oferecidas pelo INCM. Outro factor negativo é a falta de coordenação das acções com as operadoras de telecomunicações, empresas privadas e instituições de ensino, deixando pelo caminho iniciativas como o projecto “Internet nas Escolas”, lançado em Outubro de 2023, e que previa beneficiar, na primeira fase, 300 escolas com acesso a Internete alta velocidade.

Já o INAGE tem investido em centros de dados (“data centers”) e soluções de armazenamento remoto (na “cloud”) com a intenção de garantir maior eficiência na gestão de dados e serviços digitais. O objectivo é tornar a administração pública mais ágil, transparente, acessível e segura contra ataques informáticos. Para tal, existe uma Rede Electrónica do Governo (REG), para interligar diversas instituições públicas e facilitar a troca de informações.

Bruno Dias, consulting partner da EY Moçambique

Apesar destas iniciativas, o INAGE ainda enfrenta a falta de cobertura de zonas rurais e a falta de formação de funcionários públicos em tecnologias emergentes. Cabe-lhe ainda actualizar a infra-estrutura para acompanhar a evolução tecnológica e garantir níveis de segurança adequados, tarefa ingrata num contexto de restrições financeiras.

A batalha pela cibersegurança

Todas as instituições do Estado ligadas a iniciativas de informatização têm departamentos que respondem pela área da cibersegurança. O INTIC garante que todas estas equipas, mesmo representando instituições distintas, coordenam-se entre si. No entanto, os portais e serviços online do Estado continuam vulneráveis a ataques.

Bruno Dias explica que “garantir a segurança cibernética é algo extremamente complexo, que dificilmente pode ser feito, porque o desenvolvimento tecnológico faz com que as ameaças sejam cada vez mais sofisticadas e difíceis de detectar”. O que existe “são diversas medidas para tentar prevenir [problemas] e, quando tal não é possível, detectar e responder o mais depressa possível, reduzindo possíveis impactos nas organizações e instituições”, acrescentou o consultor da E&Y. Dias defende duas vertentes de acção: primeiro, uma arquitectura de sistemas que separa dados de identidade e assente em princípios “zero trust”, ou seja, em que qualquer acesso tem de ser verificado, sem nunca confiar em acessos, contextos ou permissões passadas. Tal implica que as palavras-passe sejam complementadas por “tokens” (códigos enviados para telemóveis fidelizados, fornecidos por aplicações  de autenticação ou através de chaves encriptadas).

“Planos de continuidade de negócio deverão ser criados, actualizados e testados periodicamente. O elemento humano terá de estar preparado para a situação de crise”, Bruno Dias, E&Y

A segunda vertente assenta no princípio da “resiliência digital”. A prevenção e detecção nem sempre são possíveis, por isso, é importante que as organizações simulem e estejam preparadas para a ocorrência de um incidente e consigam recuperar o mais depressa possível. “Para isso, planos de continuidade de negócio deverão ser criados, actualizados e testados periodicamente. O elemento humano terá de estar preparado para saber o que fazer em situação de crise.

Aqui, têm um papel preponderante os planos de consciencialização e simulacros para gestão de crise – tanto ao nível da administração, numa perspectiva processual, como a nível operacional, numa perspectiva mais técnica.”

Em conclusão, as instituições estatais de Moçambique têm dado passos importantes na implementação da governação electrónica, mas ainda enfrentam desafios consideráveis, especialmente em áreas rurais e em relação à capacitação digital da população. A falta de infra-estruturas robustas, como uma rede de telecomunicações eficiente, limita o alcance dos serviços digitais, enquanto a escassez de coordenação entre as partes envolvidas compromete o sucesso de iniciativas como a “Internet nas Escolas”. A cibersegurança, embora considerada prioritária, continua a ser uma área crítica, que exige investimentos contínuos e uma abordagem estratégica robusta. Como tal, é imperativo que o Governo, juntamente com empresas e organizações internacionais, continue a reforçar a infra-estrutura tecnológica, promova a educação digital e implemente soluções de segurança mais eficazes para garantir que a governação electrónica seja acessível, eficiente e segura para todos.

A baixa literacia digital da população agrava as dificuldades de disseminação de novos serviços electrónicos, dificultando o aproveitamento das soluções oferecidas pelo INCM

Texto: Celso Chambisso • Fotografia: D.R.

Partilhe o seu amor
SabeBusiness Admin
SabeBusiness Admin

A SabeBusiness é uma plataforma inovadora dedicada a conectar, impulsionar e transformar negócios em todos os setores da economia. Criada com a missão de fortalecer o ecossistema empresarial, a SabeBusiness oferece um ambiente digital estratégico onde empreendedores, empresas, profissionais e organizações podem expandir suas redes, promover seus serviços e explorar novas oportunidades de mercado.

Artigos: 16867

Newsletter informativa

Insira o seu email abaixo para subscrever a nossa newsletter

Deixe um comentário