
Novos Programas Apostam na Viabilidade Financeira de Soluções Energéticas Domésticas • Diário Económico
O acesso universal a energias modernas continua a ser um dos maiores desafios estruturais de Moçambique, com implicações directas na saúde pública, sustentabilidade ambiental e desenvolvimento económico. O terceiro painel da RENMOZ-2025, dedicado ao pilar “Acesso Universal à Energia Moderna – Cozinha Limpa e SSD”, reuniu representantes de programas internacionais, empresas do sector e instituições públicas para discutir soluções concretas de electrificação doméstica e transição para combustíveis limpos.
O debate foi moderado por um representante da GOGLA, Collin Gumbu, director de políticas e advocacia, que iniciou com uma perspectiva global: “Hoje, mais de 660 milhões de pessoas vivem sem acesso à electricidade. Mesmo entre os conectados à rede, mais de 1,6 mil milhões têm fornecimento instável. Quando olhamos para soluções de cozinha limpa, o cenário é ainda mais crítico, especialmente em países africanos como Moçambique.”
Do programa BRILHO, Pedro Moleirinho apresentou dados que ilustram a evolução recente do sector fora da rede. “Em 2019, o mercado era marginal, com menos de 40 mil vendas e duas empresas estruturadas. Hoje, temos mais de 25 empresas activas, uma maior distribuição geográfica e um papel crescente dos créditos de carbono para reduzir o custo das tecnologias para os utilizadores finais”, afirmou.
A questão do financiamento surgiu como um ponto central. Johanna Hartmann, do programa EnDev/FASER, reforçou que o apoio não deve ser apenas financeiro: “As empresas precisam de assistência técnica continuada, desenvolvimento de produto e formação em literacia financeira. Muitas vezes, os clientes precisam de tempo e confiança para decidir investir num sistema solar ou num fogão melhorado.”
Miguel Sottomayor, do programa Mais Energia, financiado pelo Banco Mundial, detalhou os mecanismos do novo fundo. “Estamos a trabalhar com modelos pré e pós-venda, com incentivos baseados em resultados (RBF), apoios geográficos e bonificações para carteiras de clientes de qualidade. Não se trata apenas de volume. Queremos garantir que, em três anos, os sistemas ainda estão operacionais, com impacto real nas famílias”, explicou.
Do lado das empresas, Eric Laborda, da Dynamiss, partilhou a experiência no modelo pay-as-you-go, através do qual mais de 13 mil sistemas foram vendidos em zonas rurais. “Vendemos a crédito em áreas de difícil acesso. É essencial termos tecnologia robusta e boa relação com o cliente. Só assim se garante que o sistema é pago e usado com eficiência”, disse.
Xan Garcia, da AMER, destacou os entraves estruturais. “O mercado de acesso à energia está num estádio inicial. Já se vê uma diversificação, mas as regras fiscais e o tempo de resposta regulatório continuam a travar o progresso. Precisamos de acelerar”, alertou.
Outro eixo debatido foi o papel dos créditos de carbono. Micas Cumbana, da MozCarbon, explicou que o modelo da sua empresa “assenta na importação, certificação e distribuição de fogões melhorados, que geram créditos de carbono. Esses créditos são revertidos para baixar o custo final dos fogões e investir em actividades comunitárias.”
Pedro Moleirinho voltou a intervir sobre a importância de modelos sustentáveis e adaptados. “Não basta vender o produto. É preciso garantir que o uso é contínuo. Por isso, sugerimos dissociar a função comercial da função de gestão de crédito. Isso permitirá que empresas se especializem, reduzam riscos e melhorem o serviço ao cliente”, sugeriu.
A sessão encerrou com consenso sobre a necessidade de alargar os apoios às micro e pequenas empresas, melhorar o quadro regulatório e reforçar as parcerias público-privadas. As soluções estão a emergir, mas o caminho para o acesso universal e sustentável à energia passa por medidas coordenadas e ajustadas à realidade nacional.
Sobre o evento
A sessão fez parte do programa da 4.ª Conferência Empresarial Renováveis em Moçambique (RENMOZ-2025), que, ao longo de dois dias, reuniu decisores governamentais, reguladores, investidores, representantes de agências de cooperação, instituições financeiras internacionais, empresas do sector energético e especialistas nacionais e estrangeiros. O evento em Maputo teve como objectivo central impulsionar a transição energética no País, alinhando prioridades políticas, instrumentos regulatórios e modelos de financiamento.
Esta edição marcou ainda a apresentação oficial da estratégia de transição energética de Moçambique, e promoveu discussões em torno de eixos estruturantes como a industrialização verde, a mobilidade sustentável, o acesso universal à energia moderna e a expansão das mini-redes e soluções de cozinha limpa. As sessões foram marcadas por intervenções técnicas e partilha de experiências e construção de consensos estratégicos entre os diferentes actores envolvidos na transformação do sistema energético nacional.
Fonte: Felisberto Ruco