Gestores despedidos da Bosch por alegadas falhas graves com fundos europeus – Indústria
No verão passado, Sven Ost, administrador do grupo Bosch, viu as suas férias serem subitamente interrompidas com uma ordem de regresso imediato à “casa-mãe”: sem explicações, a liderança de “compliance” da multinacional atribuiu-lhe a missão de ir à fábrica de Braga suspender compulsivamente seis trabalhadores, entre os quais cinco gestores de topo, incluindo Carlos Ribas, que liderava a operação da gigante germânica em Portugal há já nove anos.
“Foi com total surpresa que, conjuntamente com outros quadros da empresa, recebi uma notificação de suspensão de funções, da qual não consta qualquer situação específica identificada”, insurgia-se Carlos Ribas, dois dias depois, em declarações ao Negócios.
Meia dúzia de semanas mais tarde, recebem as respetivas notas de culpa, quando ficam a saber que a Bosch decidiu despedi-los com justa causa, sem direito a indemnização nem subsídio de desemprego, alegando que este grupo de quadros teria cometido falhas graves na elaboração e execução de candidaturas da subsidiária portuguesa a fundos europeus, potenciado o encaixe indevido de subsídios.
THEIA de 28 milhões com alemães de fora
Na base da acusação está o projeto de inovação THEIA (Automated Perception Driving), desenvolvido em parceria entre a Bosch de Braga e a Universidade do Porto, para a criação de soluções que melhoram as capacidades sensoriais de veículos autónomos, que obteve apoios públicos da ordem dos 17 milhões de euros para um investimento total de 28 milhões.
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Projeto THEIA, desenvolvido em parceria entre a Bosch de Braga e a Universidade do Porto, previa um investimento total de 28 milhões de euros.
O projeto, com arranque a 1 de julho de 2020 e encerramento a 30 de junho de 2023, viria a ser prorrogado por três meses, a pedido da Bosch, para que pudesse contar com a então ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, na apresentação dos resultados do THEIA, numa sessão realizada a 26 de setembro de 2023, na Alfândega do Porto.
De acordo com várias fontes contactadas pelo Negócios, pouco tempo antes, em meados de maio, Carlos Ribas, que também era diretor técnico da fábrica de Braga da Bosch, recebeu um email de um trabalhador do centro de desenvolvimento que estava alocado ao THEIA a denunciar que parte dos 55 contratados para este projeto, cujos salários eram parcialmente financiados por fundos públicos, estiveram a trabalhar noutros projetos.
A Bosch conduziu investigações internas em Portugal para esclarecer potenciais inconformidades relacionadas com a gestão e o desenvolvimento de projetos de inovação no país.BoschFonte oficial
Ribas terá então enviado a documentação da denúncia para o “compliance” da Bosch, que abriu um processo de investigação. Entretanto, como o encerramento do projeto tinha prazos obrigatórios a cumprir, todas as chefias envolvidas no projeto THEIA, obtida a luz verde do “compliance”, terão validado a informação para que a área financeira da subsidiária portuguesa pudesse submeter o pedido de pagamento final.
Durante mais de um ano, nada transpirou sobre os resultados da investigação interna ao THEIA. Até que, de supetão, o grupo alemão decidiu despedir meia de quadros da sua principal fábrica em Portugal, os quais – com exceção de André Reis, que chegou a acordo com a multinacional – interpuseram ações de impugnação em tribunal contra a Bosch, exigindo ser indemnizados.
Bosch “fortemente comprometida” com “conduta empresarial ética”
Contactada a Bosch Portugal, a multinacional confirmou, por escrito, a existência dos processos judiciais referidos e que está em curso “investigações por parte das autoridades judiciárias competentes”.
“A Bosch conduziu investigações internas em Portugal para esclarecer potenciais inconformidades relacionadas com a gestão e o desenvolvimento de projetos de inovação no país”, começou por referir, garantindo que “a empresa está fortemente comprometida com o cumprimento legal e regulamentar, bem como com uma conduta empresarial ética, independentemente do cargo ou função dos colaboradores envolvidos”.
“Deparando-se a empresa com quaisquer indícios de um possível comportamento irregular, são adotadas as medidas necessárias e comunicadas as irregularidades às autoridades competentes”, referiu, acabando por “confirmar que os antigos colaboradores em questão deram início a ações legais”, mas que a Bosch “não comenta em detalhe processos judiciais em curso”.
Adicionalmente, “estando em curso investigações por parte das autoridades judiciárias competentes, sujeitas a segredo de justiça, pedimos a compreensão para o facto de não podermos fornecer pormenores dos factos em causa, de modo a salvaguardar a integridade dessas investigações e a privacidade de todas as partes envolvidas”, justificou a Bosch.
Emprega 7.000 em Portugal e exporta 97% da produção
Em Portugal desde 1911, a Bosch continua a investir no nosso país dezenas de milhões de euros todos os anos e surge nos primeiros lugares dos mais relevantes “rankings”, mantendo-se como a quinta maior exportadora e uma das maiores empregadoras, sendo a segunda empresa em território nacional que tem mais profissionais alocados às áreas de inovação.
Com fábricas em Braga, Aveiro e, até recentemente, em Ovar, a que acresce um “hub” para prestação de serviços a nível global em Lisboa, a Bosch fechou o exercício luso de 2023 com um total de 7.050 trabalhadores e um volume de negócios de 2,1 mil milhões de euros, dos quais 97% foram gerados nos mercados externos.
A nível global, o grupo Bosch fechou o último exercício com um total de 418 mil trabalhadores, dos quais 87 mil em I&D, que estão distribuídos por 136 localizações em todo o mundo, e uma faturação de 90,5 mil milhões de euros.
