
Do Negócio dos Aviões ao Risco de um Voo Sem Regresso • Diário Económico
A companhia aérea norte-americana Lion Aviation alega que o processo de compra de aviões à Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) está a ser alvo de “sabotagem interna”, acusando a transportadora de bandeira moçambicana de falta de “boa fé”.
As acusações lançadas pela Lion Aviation contra as Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) abrem uma nova frente de instabilidade na já fragilizada companhia de bandeira moçambicana. Numa nota assinada pelo seu director executivo, Haile Ghebrecristos, a companhia aérea norte-americana denuncia actos de sabotagem interna, falsificação documental e falta de boa fé por parte da LAM no processo de aquisição de aeronaves. “A Lion Aviation está cada vez mais preocupada com a falta de boa fé da LAM, com provas de sabotagem interna e documentação falsificada que sugerem que pode nunca ter havido um compromisso genuíno para concluir a aquisição com sucesso”, lê-se numa nota da companhia norte-americana, assinada pelo seu director executivo.
Trata-se de uma denúncia grave, que, a confirmar-se, revela não apenas desorganização interna, mas também um ambiente tóxico de interesses cruzados e má gestão. A Lion afirma ter utilizado fundos próprios para garantir várias aeronaves destinadas à LAM, apesar de dispor de uma carta de crédito irrevogável no valor de 3,5 milhões de dólares, emitida com o apoio da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) – novo accionista da transportadora nacional. O gesto, que à partida denotaria confiança e seriedade por parte da empresa americana, é agora convertido num protesto público contra aquilo que classifica como manipulação e deslealdade.
Ainda mais preocupante é a acusação de que a LAM terá mobilizado, de forma precipitada e descoordenada, uma delegação de mais de uma dezena de pessoas para a Europa, com o objectivo de inspecccionar aeronaves que, segundo a Lion, não estavam sequer disponíveis para visualização naquele momento. Este episódio, descrito como “prematuro” e contrário às recomendações expressas da companhia vendedora, expõe falhas graves de planeamento – ou algo pior.
“Devido ao mau planeamento e aos horários irrealistas da LAM, uma grande delegação [mais de 12 pessoas] viajou prematuramente para a Europa para inspeccionar os aviões, apesar dos fortes conselhos da Lion para não o fazer na altura”, acrescenta-se no documento, salientando que, como resultado, a tripulação “não encontrou nenhuma aeronave disponível para visualização naquele momento prematuro.”
Com novos accionistas institucionais como a HCB, os Caminhos-de-Ferro de Moçambique (CFM) e a Empresa Moçambicana de Seguros (EMOSE), seria expectável que a LAM entrasse numa nova fase de estabilidade, transparência e modernização. Mas os sinais são, no mínimo, contraditórios.
Por outro lado, avança que a carta de crédito irrevogável da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), que acaba de entrar na estrutura accionista da LAM, continua activa, havendo “receio” de que esta empresa, os Caminhos-de-Ferro de Moçambique (CFM) e a Empresa Moçambicana de Seguros (EMOSE) – também dois novos accionistas da companhia de bandeira – “possam não estar totalmente informados sobre a forma como a LAM tem vindo a operar e como a sua reputação pode ser afectada”. E prossegue: “Como é habitual na indústria da aviação, a LAM, com o apoio da HCB, emitiu uma carta de crédito irrevogável no valor de 3,5 milhões de dólares para assegurar e aterrar estes aviões para inspecção. De boa fé, a Lion Aviation não utilizou a carta de crédito e, em vez disso, utilizou os seus próprios fundos para garantir muitas das aeronaves e proteger a transacção e o cronograma”, lê-se no texto.
O ministro dos Transportes e Logística, João Matlombe, veio a público reconhecer que a LAM está a ser minada por conflitos de interesses e admitiu que há quem deseje “sequestrar” a companhia. Declaração que, num país com histórico de opacidade nos negócios públicos, pode e deve ser lida como um alerta político – mas também como um apelo à intervenção urgente.
Mais de dez empresas terão concorrido para fornecer aeronaves à LAM, mas a maioria será composta por intermediários, e não por fabricantes directos. A Embraer, empresa brasileira de referência no sector, seria uma das poucas com capacidade real de entrega. No entanto, é a parceria com a Lion Aviation que está, por ora, no centro da polémica.
Mais de dez empresas concorreram para vender aeronaves à LAM, mas a maioria são intermediários e não fabricantes, sendo a companhia brasileira Embraer uma das poucas que produz aviões.