
As universidades americanas na linha de fogo – Pedro Oliveira
As universidades estão entre as instituições que mais contribuem para fazer dos Estados Unidos da América um país grandioso e líder em muitos setores. Elas desempenham um papel fundamental no progresso do conhecimento, na inovação e na formação de líderes, não apenas dentro do país, mas à escala global.
Por exemplo, a Universidade de Harvard tem entre os seus antigos alunos oito ex-Presidentes dos EUA, incluindo Barack Obama, George W. Bush ou John F. Kennedy. Mais de 150 laureados com o Prémio Nobel estiveram ligados à universidade como estudantes, investigadores ou docentes. Entre os seus ‘alumni’ contam-se os fundadores de empresas como o Facebook (Mark Zuckerberg), a Microsoft (Bill Gates, embora não tenha concluído o curso) e a Bloomberg (Michael Bloomberg). Centenas de figuras políticas internacionais também passaram por Harvard, incluindo Ban Ki-moon (ex-secretário geral da ONU), Justin Trudeau, George Papandreou, Jacinda Ardern, entre muitos outros.
As universidades americanas têm, historicamente, atraído os melhores estudantes e investigadores do mundo, funcionando como viveiros de ideias e de tecnologias que moldam o futuro. A sua autonomia e a diversidade são pilares essenciais do seu sucesso e da vitalidade democrática dos EUA, tornando-as não apenas centros de ensino, mas motores de desenvolvimento e influência global. De facto, a combinação entre excelência académica, investigação de vanguarda e liberdade intelectual tem possibilitado descobertas científicas e o desenvolvimento de políticas públicas que contribuem significativamente para a sociedade e a economia.
No entanto, a atual administração americana considera que muitas dessas instituições são dominadas por ideologias progressistas de esquerda, que limitam a liberdade de expressão de visões conservadoras. A administração tem acusado as universidades de censurarem ou cancelarem vozes conservadoras, promoverem doutrinação ideológica em vez de ensino neutro e de serem hostis a valores patrióticos e tradicionais. Acusou também várias instituições de permitirem ou incentivarem manifestações antissemitas, num contexto de crescentes tensões nos campus universitários, agravadas pelo conflito entre Israel e o Hamas.
De facto, após o ataque do Hamas a Israel, a 7 de outubro de 2023, e a resposta militar israelita subsequente, eclodiram protestos massivos em várias universidades dos EUA. Alguns dos protestos foram acompanhados por mensagens antissemitas, e até por declarações que negavam o direito de existência de Israel. Várias universidades foram então rotuladas como tolerantes ao antissemitismo por permitirem manifestações com elementos vistos como antijudaicos.
A 11 de abril de 2025, a administração federal enviou à universidade de Harvard uma lista de exigências, incluindo o encerramento de todos os programas de diversidade, equidade e inclusão, e a contratação de uma entidade externa, aprovada pelo governo, para auditar estudantes e funcionários em busca de “diversidade de pontos de vista”.
Ainda que as preocupações da atual administração americana com a tolerância ao antissemitismo nos campus universitários possam ser legítimas, a resposta governamental foi desproporcional, inaceitável e até ininteligível. Por exemplo, David R. Walt, professor de Patologia na Harvard Medical School e no Brigham and Women’s Hospital, viu a sua investigação para desenvolver uma ferramenta de diagnóstico para ELA, ou doença Lou Gehrig, ser interrompida devido ao cancelamento do financiamento. Em que medida é que cancelar financiamento da investigação médica pode ser relacionada com antissemitismo?
Harvard entrou em confronto direto com o governo ao recusar essas exigências, que implicavam alterações profundas nas suas políticas internas, como restrições a programas de diversidade, mudanças nas normas sobre protestos estudantis e maior colaboração com autoridades federais. Em resposta, o governo congelou mais de 2,2 mil milhões de dólares em financiamento federal, ameaçou retirar o estatuto de isenção fiscal à universidade, dificultou o processo de matrícula de estudantes internacionais e acusou a instituição de declarar incorretamente doações estrangeiras. O Departamento de Segurança Interna está ainda a rever a certificação da universidade, ameaçando a sua capacidade de matricular estudantes estrangeiros, um golpe duro, já que Harvard tem seis mil alunos internacionais.
Ao optar pela resistência, Harvard reacendeu um debate nacional sobre a autonomia universitária e os limites da interferência política na educação. Outras universidades, como Stanford, Princeton e Columbia, manifestaram apoio público à instituição, defendendo a liberdade académica como um valor essencial.
Harvard escalou a disputa e processou o governo, sendo incerto como será resolvido o conflito. Como outras atividades económicas, o ensino superior também se globalizou. Hoje, há relações estreitas entre universidades de todo o mundo, e mudanças no funcionamento das universidades americanas terão, inevitavelmente, repercussões em instituições de ensino superior globais — incluindo as portuguesas, que mantêm colaborações com universidades dos EUA.
Sendo o ensino superior um dos pilares fundamentais dos EUA, a luta das universidades pela sua autonomia institucional é, na verdade, uma luta pela preservação dos valores democráticos, da liberdade académica e da independência das instituições de ensino frente à pressão política. Sendo a Universidade de Harvard a mais rica dos EUA, será que as restantes vão também conseguir resistir?
Sabemos como a história começou, ainda não sabemos como vai terminar, mas hoje, como muitas vezes no passado, as universidades são um bastião de luta pela democracia e pela justiça. A independência e a educação são bens maiores que temos de preservar e defender, acima de tudo.