Da Rua Aos Mercados, o Que os Economistas (Pre) Vêem? • Diário Económico

a d v e r t i s e m e n t
O banco central pode vir a suspender a redução da taxa de juro de referência. O sector informal – que sustenta grande parte da população – pode enfrentar quedas na actividade e a população poderá perder o poder de compra. Resultado: as incertezas crescem.

As manifestações que agitam o País reflectem insatisfação popular e são expressão de direitos cívicos. Mas o impacto económico levanta preocupações. Os custos económicos das paralisações já realizadas podem ser severos, exigindo respostas. Os economistas alertam que a recuperação económica de Moçambique vai depender de um equilíbrio entre as exigências populares e a preservação da estabilidade económica.a d v e r t i s e m e n t

Golpe sobre o sector informal

Em 2021, a economia informal era responsável por quase metade do Produto Interno Bruto (PIB) de Moçambique. É fonte vital de rendimento para milhões de pessoas, composto por pequenos negócios no comércio, agricultura e oficinas de vários tipos. O economista Egas Daniel considera que quem vive do sector informal é o grupo que mais vai sofrer, já que depende da “actividade de rua” para produzir rendimento.

Quando chegar o momento de compensar perdas diárias, quem tem “bons salários” terá mais folga do que quem vive dos negócios informais no dia-a-dia, em que nunca se sabe de onde vem o próximo metical, nem quando. A precariedade é uma fragilidade. Egas Daniel defende a credibilização dos processos eleitorais e das instituições do Estado como solução. Sugere a criação de uma comissão credível, composta por todos os actores envolvidos no processo eleitoral, incluindo as organizações da sociedade civil, para a recontagem dos votos válidos, produzindo resultados que ponham fim ao custo social das manifestações.

Choque da procura e da oferta

Para o economista-chefe do Millennium bim, Oldemiro Belchior, “esta crise tem um impacto de grande magnitude, com consequências profundas, vastas e, na sua maioria, irreversíveis”. Recorda que as manifestações em Maputo provocaram restrições, tanto ao sector público, como privado, e alteraram significativamente os padrões de interacção social (dificuldades de acesso à Internet e redes sociais). Oldemiro Belchior conclui que tudo isto levou a uma diminuição significativa do volume de negócios em várias áreas: indústria, transportes, logística, serviços, restauração e uma quebra acentuada no turismo, na venda de automóveis e no comércio a retalho. Paralelamente, de acordo com o economista, houve mudanças no mercado de trabalho, com despedimentos nalguns sectores e aumento do número de colaboradores em teletrabalho.

Os trabalhadores informais são o grupo que mais vai sofrer o efeito das paralisações, já que depende da actividade de rua, indica Egas Daniel

“Estas manifestações representam um choque, quer do lado da oferta, quer do lado da procura, sem precedentes no passado recente e com efeitos cuja magnitude e alcance são particularmente complexos e difíceis de prever. A evolução da actividade económica, neste contexto, depende também de como evoluir a situação política e social, algo que continua envolto em grande incerteza”, lamentou. O economista acrescenta que há um forte impacto ao nível dos preços (subida da inflação), da produção (paralisação de actividades) e da produtividade (por via das perturbações na produção e no emprego).

“Neste contexto, a economia moçambicana sofrerá, em 2024, um choque endógeno com a eclosão da crise política, quando vinha a recuperar, embora lentamente, do impacto da pandemia da covid-19”, aponta. Segundo refere, os pontos fracos da economia moçambicana são, naturalmente, ainda mais pressionados com a actual instabilidade. “A recuperação lenta nos últimos anos” foi reflexo “de constrangimentos estruturais, que afectam a economia de Moçambique há décadas, como um mercado interno limitado, empresas descapitalizadas e um Estado com uma dívida pública elevada.” Acresce uma estrutura produtiva “pouco diversificada”, baixa qualificação da população activa, produtividade baixa, fiscalidade inadequada e um nível reduzido de investimento.”

Juros podem permanecer altos

Fáusio Mussá, economista-chefe do Standard Bank, entende que a tensão que se vive pode levar o Banco de Moçambique a adiar novos cortes na taxa de juro de referência, com os quais já há quem conte para ter condições mais favoráveis de aceder ao crédito bancário. No relatório mensal de Outubro do índice de actividade económica PMI (Purchasing Managers’ Index), publicado pelo Standard Moçambique, o economista aponta para a necessidade de uma abordagem mais cautelosa na política monetária no actual cenário.

Lembre-se que, em Setembro, a taxa de referência desceu de 14,25% para 13,50%, em linha com a previsão de inflação baixa e estável. Fáusio Mussá considera que esta instabilidade pode motivar precaução. “O ambiente tenso pós-eleitoral poderá levar o Banco de Moçambique a adoptar uma abordagem mais prudente relativamente à normalização da política monetária. Portanto, não descartamos uma pausa nos cortes da taxa de juro de referência”, revelou, citado no relatório.

Recordou, entretanto, que “a taxa MIMO foi reduzida num total de 375 pontos base desde o início do ano, para o nível actual de 13,5%, mas as taxas de juro reais mantiveram-se elevadas, uma vez que a inflação tem diminuído a um ritmo mais rápido, com o valor mais recente de 2,5% em Setembro, em termos homólogos. Este cenário, aliado ao facto de as reservas mínimas obrigatórias se manterem altas e inalteradas, reprime o crescimento do crédito”.

“O ambiente tenso pós-eleitoral poderá levar o Banco de Moçambique a adoptar uma abordagem mais prudente relativamente à normalização da política monetária”, Fáusio Mussá

Outras agravantes

O cenário das manifestações sobrepõe-se a uma série de outros factores de risco que se arrastam há anos. Fáusio Mussá destaca, entre esses factores, os “atrasos recorrentes dos projectos de gás natural liquefeito (GNL), que apontam para que o Investimento Directo Estrangeiro (IDE), provavelmente, permaneça reduzido, o que implica um apoio limitado à oferta de divisas, ao Orçamento do Estado e um crescimento mais brando do PIB”.

Fáusio Mussá

Assim, “mantemos a nossa perspectiva de que, este ano, o crescimento do PIB irá desacelerar para 3,6% em termos homólogos, em relação aos 5,4% do ano passado, visto que os efeitos de base favoráveis, decorrentes do aumento da produção de GNL na plataforma Coral Sul, irão provavelmente diminuir. Além disso, esta economia depara-se com uma oferta intermitente de divisas, pressões fiscais persistentes, condições de financiamento restritivas e baixo investimento”, observou Mussá.

Uma preocupação generalizada

De acordo com o Centro de Integridade Pública (CIP), as manifestações e a paralisação de actividades podem ter custado ao País cerca de 2% do PIB em apenas 10 dias. Tal perda resulta da redução da actividade económica e do afastamento de investidores, avessos a instabilidade.

Texto: Celso Chambisso • Fotografia: D.R.

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