
Classe Artística Enfrenta Dificuldades e Procura Alternativas • Diário Económico
a d v e r t i s e m e n ta d v e r t i s e m e n t
As manifestações que se fazem sentir por quase todo o território nacional desde o dia 21 de Outubro têm afectado profundamente vários sectores da economia. Sobre este assunto, o DE já vem reportando diversos casos de reclamações por parte dos empresários, que lamentam a perda de avultados valores devido à actual crise sociopolítica.
Além da classe social empresarial, várias outras sensibilidades já foram ouvidas pelos meios de comunicação, e para não deixar ninguém para trás, o DE decidiu neste sábado, 28 de Dezembro, ouvir os profissionais do sector criativo e cultural que dizem que, face à actual crise, têm procurado explorar outras alternativas para fazerem valer a sua arte e manterem as suas rendas.
“Estas manifestações vieram mexer muito com o nosso sector. Muitos eventos foram cancelados ou adiados, o que afectou directamente o nosso rendimento. Como modelo e mestre de cerimónias, dependo muito de eventos para gerar trabalho, e sem eles fica complicado. Muitos colegas tiveram de procurar formas alternativas para se manterem activos, mas a verdade é que a instabilidade trazida pelas manifestações criou uma espécie de pausa forçada para muitos de nós”, explicou Abraão Limbau, que é modelo, mestre de cerimónias e humorista.
Este explicou ao DE que a tensão política cria um ambiente de receio, tanto para os organizadores de eventos como para o público. “As pessoas não querem arriscar, pois têm medo de que algo possa correr mal. Esta situação faz com que muitos eventos simplesmente não aconteçam, ou, quando acontecem, têm menos público ou condições muito limitadas. Aquela energia dos grandes festivais ou ‘shows’, que antes era vibrante, está a desaparecer”, observou.
Com uma visão um pouco diferente de Abraão, o artista plástico Alberto Coreia diz que consegue identificar oportunidades de criação artística dentro da situação actual. “A minha maior inspiração são as minhas vivências. Então, a parte positiva de tudo isto foi o excesso de matéria que tenho para poder criar. Há muita coisa para poder criar e expressar. Assim, esta situação ajudou-me bastante para aprimorar mais conhecimentos em termos de cultura geral e abriu bastante a minha mente para muitas coisas que, se calhar, eram ainda desconhecidas”, disse.
O artista sublinha, porém, que não depende “só do facto de produzir uma pintura, um desenho ou uma gravura. Tenho de lançar a obra para que seja comprada. Porém, devido ao actual contexto, acabei por ficar um pouco abalado, mas não tive tanto impacto negativo, uma vez que já tenho experiências anteriores como a pandemia da covid-19.”
Alberto Coreia refere que a natureza do seu trabalho exige tranquilidade na sociedade. “O que fazemos normalmente exige um bom clima de paz e harmonia. Se conseguimos ter mobilidade na sociedade, as pessoas conseguem facilmente ir às galerias. Podem ir aos espaços de eventos recreativos e culturais, mas com esta tensão é difícil porque as estradas estão bloqueadas”, disse.
Alberto Coreia,artista plastico
“Eu já estava preparado para isto. Por isso uso as plataformas digitais para conseguir trabalhar. É possível executar as minhas actividades porque o trabalho não é visto apenas em Moçambique. É visto também em muitos países da Europa, Ásia e América. Tenho clientes nestas partes todas do mundo, o que me ajuda bastante para continuar a partilhar as minhas obras”, apontou.
Redução de oportunidades no mercado
Abraão Limbau sublinhou que “com menos procura dos seus serviços, a renda diminuiu. Isso é inevitável. Quando as pessoas estão preocupadas com coisas mais básicas, como sustentar a família ou lidar com o aumento do custo de vida, investir na cultura e arte acaba por ser secundário. Para quem, como eu, depende de contratos e eventos, isto representa menos oportunidades e rendimentos cada vez mais imprevisíveis.”
O modelo explicou que “os seus patrocinadores se tornaram mais cautelosos em investir nos projectos artísticos e culturais. As empresas estão a evitar associar-se a projectos que possam ser vistos como polémicos ou arriscados e isso afecta directamente a realização de shows, exposições e outros eventos. A sensação é que estamos num momento de espera, onde ninguém quer avançar sem garantias.”
Por sua vez, Alberto Coreia revela que a actual situação do Pais não o afecta, pois consegue trabalhar em várias áreas. “Ainda agora acabo de terminar um mural numa casa na Matola, de um cliente muito específico, com gostos muito bem delineados. Então, não posso assumir que as manifestações tenham influenciado totalmente a minha renda”, disse.
O artista vai mais linge, afirmando que a actual situação também não influenciou no patrocínio dos seus projectos. “Tenho parceiros culturais, marcas internacionais com as quais trabalho, e isso é por causa da qualidade do trabalho. Nunca tive patrocinadores para a realização de algum projecto artístico ou cultural”, disse, para depois sublinhar: “Falando de forma geral, é verdade que os patrocinadores da classe artística também ficaram comprometidos devido a esta situação, porque não vão apoiar artistas que não têm como trabalhar devido ao contexto actual.”
Diante disto, que alternativas exploram?
“Estou a tentar diversificar bastante. Uma das coisas que fiz foi reforçar a minha presença online, usando as redes sociais para promover o meu trabalho e alcançar novas oportunidades, como campanhas digitais. Além disso, estou a colaborar mais com outros artistas em projectos pequenos, que exigem menos recursos, mas ainda assim criam impacto. A comunidade artística também tem estado unida, a partilhar ideias e a encontrar soluções colectivas para ultrapassar as dificuldades”, revelou Abraão Limbau.
Abraão Limbau, mestre de cerimonias e modelo
Diante deste contexto, o modelo acredita que há espaço para criação de novas oportunidades ajustadas à situação actual. “Acredito que sim, há potencial para isso. As manifestações chamam a atenção para problemas sociais, e o sector criativo tem a capacidade de transformar essas questões em algo que inspira ou educa. Organizações internacionais e da sociedade civil podem interessar-se em apoiar projectos culturais que abordem temas relevantes, mas é preciso saber apresentá-los de forma clara e profissional. É um desafio, mas é possível”, vincou.
A situação em Moçambique continua tensa e as manifestações continuam, porém, muitos artistas aguardam pelo dia em que voltarão a brilhar junto das luzes dos palcos e, com isso, colocarem um prato de comida nas suas mesas.
Texto: Nário Sixpene