
“Decisão Necessária, Mas Não Sustentável a Longo Prazo” • Diário Económico
A recente troca de emissão da dívida interna, realizada pelo Estado moçambicano no dia 11 de Março, continua a ser alvo de análise entre especialistas em economia e finanças públicas. Embora a medida tenha sido considerada necessária para evitar um incumprimento, alguns economistas alertam que a solução não garante a sustentabilidade fiscal a longo prazo.
Em entrevista ao Diário Ecónomico, o economista Dimas Sinoa, com experiência em finanças públicas, sublinha que a dívida interna tem características específicas que a tornam particularmente onerosa. “A dívida interna geralmente não é uma dívida de longo prazo. É uma dívida de curto prazo, mas que, de facto, tem problemas a médio e longo prazo, que são problemas de sustentabilidade”, explicou.
Segundo o especialista, o custo elevado do serviço desta dívida compromete recursos que poderiam ser canalizados para sectores essenciais. “Investimentos em áreas como educação e saúde acabam sacrificados, pois grande parte do orçamento é destinada ao pagamento de juros”, afirmou.a d v e r t i s e m e n t
O economista destaca que um dos principais problemas é que “a dívida interna é cara” e implica, frequentemente, um ciclo de refinanciamento. “Quando um Estado entra num ciclo de refinanciamento, onde emite nova dívida para pagar dívidas anteriores, corre-se o risco de um endividamento descontrolado”, alertou Sinoa.
O especialista acrescenta que a dívida interna, embora numericamente inferior à dívida externa, representa 60% do serviço total da dívida do País devido aos seus custos elevados. “Isso significa que o Governo está a pagar mais juros pela dívida interna do que por toda a dívida externa, o que sobrecarrega as contas públicas.”
Dimas Sinoa – Economista
Sinoa também salientou que o aumento da dívida interna pode ter impactos no acesso ao crédito pelo sector privado. “O Estado vai concorrer pelos mesmos recursos do sistema financeiro, e isso pode gerar um efeito de ‘crowding out’ (quando a intervenção do Governo na economia reduz a participação do sector privado, seja por meio de gastos públicos excessivos, emissão de títulos públicos ou subsídios), reduzindo as oportunidades de financiamento para micro, pequenas e médias empresas”. Contudo, acrescenta que, neste momento, “ainda não se observa este efeito em Moçambique, pois o sistema bancário apresenta grande liquidez”.
No que diz respeito à recente troca de obrigações do Tesouro, Sinoa explicou que esta foi uma medida para evitar um incumprimento imediato, mas não resolve o problema subjacente da dívida. “Isto não é solução. É uma medida para atenuar a situação e evitar incumprimento, mas que não reduz o peso da dívida”, afirmou.
O economista destacou que um incumprimento teria efeitos severos na credibilidade do País. “Se Moçambique entrasse em incumprimento, isso afectaria os ratings internacionais, reduziria a confiança dos investidores e dificultaria ainda mais a obtenção de crédito externo”, explicou.
Por sua vez, Osvaldo Alexandre, especialista em economia monetária e fiscal, caracterizou a troca da dívida interna como “criatividade na contabilidade”. “Quando não tens como pagar a dívida, para que não entres na insolvência, tens de criar arranjos para conseguir pagar”, disse.
Alexandre destacou que esta decisão foi tomada num momento em que o Governo precisa de aquecer os mercados. “O Governo viu que os empresários não iriam procurar dinheiro na banca, então esta foi uma estratégia para evitar um colapso do mercado financeiro”, explicou.
O economista alertou, contudo, que este tipo de medida pode ter consequências inflacionárias. “Se o mercado ficar super-aquecido, a inflação pode subir, o que obrigaria o Banco de Moçambique a aumentar as taxas de juro”.
Osvaldo Alexandre – Economista
O analista também levantou questões sobre a coordenação entre a política fiscal e a política monetária. “Não sei se esta medida está a ser acompanhada por uma estratégia adequada do Banco de Moçambique, pois estamos a ver uma predominância fiscal sobre a monetária neste momento”, afirmou.
Alexandre também sublinhou o papel do Fundo Monetário Internacional (FMI) neste contexto. “O FMI recomendou que Moçambique não aumentasse os salários nem ampliasse benefícios sociais para garantir que a prioridade fosse o pagamento da dívida”, explicou.
Para ele, isto demonstra que, apesar dos esforços do Governo, o impacto económico da estratégia de dívida ainda é incerto. “A ministra das Finanças está a tentar cumprir com os compromissos financeiros do País, mas não se sabe se esta medida será suficiente para estabilizar a economia”, disse.
Ambos os economistas concordam que o Governo precisa de implementar medidas estruturais para reduzir a dependência da dívida interna e garantir maior sustentabilidade fiscal.
Entre as soluções sugeridas, destacam-se o fortalecimento da arrecadação fiscal, a racionalização dos gastos públicos e a criação de condições para atrair financiamento externo a custos mais baixos.
“Se não houver uma mudança na estratégia fiscal, o País continuará a enfrentar dificuldades para equilibrar as contas públicas e impulsionar o crescimento económico”, concluiu Sinoa.
A troca da dívida interna realizada este ano envolveu 3,6 mil milhões de meticais (56,6 milhões de dólares) e foi a primeira operação do género em 2025. O impacto desta medida será avaliado nos próximos meses, enquanto o Governo busca alternativas para melhorar a gestão da dívida e minimizar os riscos fiscais.
Fonte: Felisberto Rucoa d v e r t i s e m e n t