A adesão de Moçambique à Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA) marca um passo estratégico na consolidação da integração económica do País no espaço regional e continental. O acordo, que reúne 54 países africanos e representa um mercado potencial de mais de 1,3 mil milhão de consumidores, tem como principal objectivo impulsionar o comércio intra-africano, reduzir barreiras tarifárias e promover o desenvolvimento industrial e económico sustentável no continente. Para Moçambique, a integração na ZCLCA surge como uma oportunidade de diversificação económica e de fortalecimento do sector privado nacional, permitindo às empresas moçambicanas aceder a novos mercados, expandir as exportações e participar em cadeias de valor regionais. No entanto, este processo também coloca desafios significativos, nomeadamente a necessidade de aumentar a competitividade, modernizar infra-estruturas logísticas, harmonizar políticas comerciais e reforçar a capacidade produtiva interna. Neste contexto, o Diário Económico conversou com a Câmara de Comércio de Moçambique (CCM) para compreender o papel do sector privado neste processo de integração, as oportunidades que se abrem para as empresas moçambicanas e as medidas necessárias para garantir que o País possa tirar pleno proveito das vantagens oferecidas pela ZCLCA. Na entrevista, Ivandra Gomes, técnica de Estudos e Projectos na CCM, partilhou a visão da entidade sobre o estado de preparação das empresas nacionais, os sectores com maior potencial de crescimento, bem como as reformas que podem tornar o País um participante competitivo e activo neste novo espaço económico continental. Como avalia a CCM o processo de integração de Moçambique na Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA)? O comércio intra-africano é muito diminuto tendo em conta a baixa conectividade entre os países, assim como o modo como as nossas infra-estruturas foram estabelecidas no período colonial. Na altura, o foco era o fornecimento de matérias-primas para a Europa, América e demais continentes e não necessariamente para África. A posição geoestratégica de Moçambique, banhado pelo mar, constitui uma vantagem competitiva na medida em que o País pode posicionar-se como ponto de entrada e de saída de produtos para os outros países. No entanto, julgamos necessário trabalhar na capacitação dos nossos empresários para poderem competir em pé de igualdade com os demais. Do ponto de vista legal, as oportunidades estão criadas, mas do ponto de vista prático há um longo caminho a percorrer. Quando se trata de exportar e importar, é importante identificar produtos estratégicos e canalizar todos os esforços no sentido de nos especializarmos, ou seja, montar uma equipa que se dedique exclusivamente para garantir a realização do planificado. Ivandra Gomes, técnica de Estudos e Projectos na Câmara de Comércio de Moçambique Em África, temos um histórico de integração regional muito fraco. Ao nível da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), o comércio é dominado pela África do Sul, que tem uma demanda de bens e serviços que facilita as transacções com os países vizinhos. O nível de aproveitamento que temos das preferências comerciais dentro da SADC é muito baixo, ronda os 37% em termos de importações dos produtos elegíveis com tarifa zero, Do lado das exportações, estamos em 10% de aproveitamento das preferências comerciais. Em que fase se encontra o País em termos de implementação prática do acordo? O processo de implementação respeita dois níveis – o continental e o nacional, liderados pela Secretaria da ZCLCA no Gana e pelo Ministério da Economia, respectivamente. Podemos afirmar que Moçambique está numa fase intermédia. Até Junho deste ano, o País já tinha submetido a “Oferta Tarifária” relativa ao comércio de mercadorias, em relação ao comércio de serviços. Moçambique já preparou a sua lista de compromissos que define os sectores que pretende liberalizar, assim como a sua modalidade. Entretanto, há necessidade de se melhorar as infra-estruturas, promover a capacitação empresarial e finalizar as regras de origem aplicáveis ao comércio de mercadorias (este é um anexo ao protocolo de mercadorias que ainda não está concluído). Qual o papel da Câmara de Comércio de Moçambique neste processo? A Câmara de Comércio de Moçambique como casa do empresário tem um papel crucial neste processo e, por conta disso, desde o início que temos sido incluídos e temos contribuído sobremaneira com acções que visam potenciar os empresários nacionais. África tem um histórico de integração regional fraco. Na SADC, o comércio é dominado pela África do Sul Que oportunidades concretas se abrem para as empresas moçambicanas com a adesão à ZCLCA ? Consideramos que as oportunidades são identificadas com base na demanda. Do lado das mercadorias, vemos a possibilidade de Moçambique exportar açúcar, produtos pesqueiros, principalmente para os países sem acesso ao mar. Já na parte da oferta de serviços, vemos a área dos transportes e logística, olhando sobretudo para a nossa natureza geográfica. Por exemplo, actualmente, a República Democrática do Congo (RDCongo) está a preparar-se para utilizar o Corredor de Lobito para exportar os seus minérios para o resto do mundo. Então a pergunta é: será que este país não poderá futuramente utilizar o Corredor da Beira? Resumindo, a ZCLCA abre a possibilidade de acesso preferencial a novos mercados africanos fora da SADC; amplia as oportunidades de exportação para os produtos moçambicanos; proporciona o acesso à redução de barreiras tarifárias; e oferece a possibilidade de ‘joint ventures’ e de melhoria da qualidade de serviços conduzindo a padrões mais competitivos. Estimula a participação das Pequenas e Médias Empresas (PME) nas cadeias de valor regional e continental; promove a criação de emprego através do crescimento das exportações e da industrialização orientada para os mercados regional e continental; induz a redução dos custos de importação de insumos e bens de consumo; fortalece as cadeias de valor regionais, permitindo a integração de Moçambique com países de diferentes capacidades produtivas e a sua inserção em segmentos industriais e agro-industriais com maior valor acrescentado. Finalmente, estimula a atracção de investimento directo estrangeiro, ao posicionar Moçambique num mercado africano mais integrado, previsível e atractivo para os investidores em sectores estratégicos. Quais os sectores com maior potencial de crescimento no comércio intra-africano para Moçambique? De modo geral, destacamos os sectores da indústria, transportes e logística, agro-alimentar, pesca e serviços conexos, energia, minas e serviços. Estes vão impulsionar o comércio de Moçambique na ZCLCA. De que forma a ZCLCA pode contribuir para a diversificação da economia nacional? Dependendo do que Moçambique identificar como produtos estratégicos de importação e de exportação, a ZCLCA pode constituir um grande incentivo para o desenvolvimento de novos sectores. Realçar que nos referimos a produtos finais, intermédios e matérias-primas que poderão claramente conduzir à diversificação da economia nacional. Devemos todos melhorar em relação aos transportes, digitalização de processos aduaneiros e eficiência logística Quais são os principais desafios que as empresas nacionais enfrentam para competir no mercado africano? Persistem imensos desafios, contudo, também vislumbramos oportunidades que poderão promover a competitividade nacional e melhorar o posicionamento do País em relação ao acesso a novos mercados. Há necessidade de se identificar as oportunidades, de melhorar o acesso à informação e de conhecermos as entidades certas para obter o apoio necessário. Precisamos de um escritório que se dedique exclusivamente a esta matéria, para incrementar a capacidade de produção, termos maior acesso ao financiamento, seguirmos e respeitarmos os padrões internacionais. Que riscos a abertura do mercado continental pode trazer para as PME moçambicanas? Este processo está envolto em riscos, uma vez que permite o ingresso a um mercado mais amplo, deixando os empresários expostos a práticas internacionais que o obrigam a melhorar os padrões de qualidade. Todo aquele que não conseguir acompanhar esta dinâmica corre o sério risco de entrar em falência. Nem sempre as empresas decretam falência por falta de boas práticas, mas porque existem aqueles que estão a inovar muito mais rapidamente. A concorrência acentuada de empresas mais bem preparadas de outros países africanos, a perda de quota de mercado local e dificuldade em acompanhar as exigências do novo contexto comercial podem, sim, constituir um risco. É imperioso que os empresários tenham conhecimento técnico suficientemente robusto para se manterem activos no mercado. A infra-estrutura logística e alfandegária de Moçambique está preparada para esta integração? Os países estão em ritmos diferentes de qualidade de serviços públicos, incluindo das alfândegas. Há também questões de carácter político que devem ser acauteladas. Ou seja, ainda existem limitações significativas, logo, devemos todos melhorar em relação aos transportes, à digitalização de processos aduaneiros e à eficiência logística para garantir competitividade no comércio intra-africano. Todo aquele que não conseguir acompanhar esta dinâmica corre o sério risco de entrar em falência. Nem sempre as empresas decretam falência por falta de boas práticas, mas porque existem aqueles que estão a inovar muito mais rapidamente Que medidas o Governo e a Câmara de Comércio estão a tomar para apoiar as empresas na adaptação ao novo quadro de comércio livre? Ao nível operacional temos projectos concretos financiados pelo Banco Mundial, com destaque para o posto de paragem única na fronteira entre Moçambique e Maláui. A fronteira da Ponto do Ouro que liga o País a África do Sul também será contemplada pela iniciativa. Existem processos de preparação dos termos de referência para modernizar as fronteiras de Ressano Garcia e Machipanda que conectam Moçambique com a África do Sul e o Zimbabué, respectivamente. Para além disto, estão em curso programas de capacitação, acções de sensibilização, facilitação de feiras e missões empresariais, além da defesa de políticas públicas favoráveis à integração. Que impacto se espera no emprego e na industrialização de Moçambique com a integração plena na ZCLCA? O Banco Mundial fez um estudo em 2020 que cobre quase todos os países do continente africano e nele espera-se um impacto positivo, embora não tão grande e a longo prazo. Tudo depende da boa identificação de produtos estratégicos e com capacidade de gerar empregos e divisas. As previsões estimam que com a implementação bem-sucedida da ZCLCA poder-se-ia tirar 30 milhões de pessoas da pobreza extrema e 68 milhões da pobreza moderada até 2035 em África. Espera-se um aumento de postos de trabalho, principalmente no sector industrial e de serviços, bem como estímulo à produção local e ao crescimento das cadeias de valor nacionais. Qual a visão da Câmara de Comércio sobre o papel de Moçambique no comércio continental nos próximos 5 a 10 anos? A Câmara de Comércio de Moçambique acredita que o País pode tornar-se no epicentro estratégico de comércio e logística da região, com empresas nacionais cada vez mais competitivas, preparadas e integradas nas cadeias de valor africanas. Texto: Cleusia Chirindza ● Fotos: Mariano Silvaa dvertisement
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