O primeiro painel do segundo dia da 3.ª Conferência sobre Biodiversidade Marinha, que decorre esta quinta-feira, 4 de Setembro, na cidade da Beira, província de Sofala, foi marcado por apelos contundentes ao reforço da participação comunitária e do sector privado na preservação dos ecossistemas marinhos e costeiros. Os intervenientes denunciaram a persistente fragilidade dos mecanismos de inclusão e defenderam modelos que associem conservação a benefícios económicos directos para as comunidades costeiras. Milagre Nuvunga, directora executiva da Fundação Micaia, criticou o facto de, na maioria dos casos, as comunidades locais não verem retorno concreto do processo de conservação. “As populações dependem da terra e dos recursos naturais, mas muitas vezes são chamadas apenas a obedecer a regras que limitam o uso desses recursos sem lhes oferecer alternativas”, afirmou. Como solução, a responsável defendeu o desenvolvimento de cadeias de valor capazes de gerar rendimento sustentável, lembrando a experiência da Micaia em Manica, onde foram criadas empresas inclusivas ligadas a produtos florestais não madeireiros. Destacou ainda a Mozambique Honey Company, que exporta mel para a Europa e para os Estados Unidos, envolvendo directamente os produtores como accionistas. Para Milagre Nuvunga, este modelo pode ser adaptado ao contexto marinho, garantindo que a conservação se traduza em melhoria de vida para as famílias. Já Bruno de Oliveira, director-geral da Selt Marine Mozambique, denunciou a dependência excessiva das comunidades costeiras da pesca e defendeu a diversificação económica através do cultivo de algas marinhas. A empresa, que actua em Nampula desde 2018, trabalha sobretudo com mulheres, oferecendo-lhes rendimentos adicionais e novas competências. “As mulheres ficam satisfeitas porque passam a ter a sua própria fonte de rendimento, sem depender apenas da pesca dos maridos”, explicou. As populações dependem da terra e dos recursos naturais, mas muitas vezes são chamadas apenas a obedecer a regras que limitam o uso desses recursos sem lhes oferecer alternativas O orador sublinhou ainda que o cultivo de algas é uma alternativa sustentável que pode colocar Moçambique num patamar superior ao da Tanzânia, país que já possui uma indústria consolidada. No entanto, alertou para a incapacidade das empresas privadas de avançarem sozinhas, reivindicando maior apoio do Estado e de organizações não-governamentais para acelerar a expansão da actividade. Por sua vez, Jorge Mafuca, coordenador nacional da Blue Forest, denunciou a devastação de vastas áreas de mangal, sobretudo em Quelimane, província da Zambézia, e defendeu a necessidade de mecanismos legais que garantam a participação activa das comunidades. Explicou que a sua organização está a restaurar 30 mil hectares de mangal em Sofala e Zambézia, dentro de um projecto que cobre um total de 155 mil hectares, e sublinhou que a iniciativa só é possível porque se assenta na demarcação de terras comunitárias e na criação de comités de gestão locais. “Sem garantir o direito legal das comunidades sobre as suas terras, não é possível falar de conservação eficaz. A nossa abordagem é dar-lhes esse poder e envolvê-las directamente no processo de restauração”, afirmou. O painel concluiu que a conservação marinha no País enfrenta ainda sérios desafios de inclusão e sustentabilidade. Os especialistas foram unânimes em denunciar o afastamento das comunidades nas políticas públicas e reclamaram maior articulação entre Governo, sector privado e organizações da sociedade civil, de modo a transformar a preservação dos ecossistemas num motor de desenvolvimento económico e social. Texto: Nário Sixpene

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