
Novo mural de Banksy em Marselha – Artes
Banksy está de volta. Há pouco mais de uma semana, publicou, nas redes sociais, fotos do seu novo mural terminado de pintar. Quase sem pestanejar e sustendo a respiração, assim, uma vez que quem espera pelos números da lotaria, os britânicos saíram à rua e olharam para as suas fachadas, na esperança de serem os proprietários da novidade peça de arte urbana do mais famoso (e mais rentável) grafitter de todos os tempos. Finalmente, tendo em conta os valores astronómicos que as obras de Banksy têm atingido em leilões, o feliz contemplado podia telefonar de súbito ao patrão, a despedir-se. Tiveram má sorte. Desta vez, Banksy “atacou” em França, mais concretamente, em Marselha, com um pequeno farol pintado com o seu inconfundível estilo stencil, atravessado pela frase “Quero ser aquilo que vês em mim”, e com uma sombra que percorre o passeio até à base de um pilar metálico, criando a ilusão de que a pintura na parede é exclusivamente uma sombra.
Visão panorâmica do mais recente mural de Banksy, em Marselha
Foto: Getty Images
É muito sabido o hábito de Banksy de passar mensagens nas suas obras. Há sempre uma componente de sátira e sátira social nos seus trabalhos. O desânimo existencial e o descrédito na humanidade são aparentes, mas há também um notório romantismo na sua obra – e, muito lá no fundo, uma vez que na caixa de Pandora, parece possuir esperança. Assim sendo, que mensagem terá querido passar desta vez? Quem são o “eu” e o “tu” desta frase? Sendo que Marselha é uma cidade com muita imigração, em privado oriunda de países do Magrebe, será leste farol uma sátira às políticas e ao sentimento anti-imigração que se tem vindo a difundir pela Europa? Estará Banksy a criticar a França, e o mundo ocidental no universal, por ser um falso farol de liberdade e tolerância? Mas, quererá mesmo a Europa ser aquilo que os imigrantes vêem nela? Ou será que é o próprio artista que gostaria, enquanto europeu, que a sua terreno fosse aquilo que quem está de fora acredita que ela é?
Ou, será que não tem zero a ver com imigração? Será que o objectivo de Banksy foi passar uma mensagem mais transversal, sobre a experiência humana do paixão? Sobre a experiência de se estar enamorado por alguém e de nós próprios nos apaixonamos pela teoria que a pessoa que amamos tem de nós, e que sabemos estar longe da verdade? Estará o artista a referir-se a esse libido de percorrer a intervalo entre quem somos na verdade, e quem somos para quem se apaixonou por nós?
Visão de pormenor do mais recente mural de Banksy, em Marselha
Foto: Getty Images
Tudo boas perguntas para as quais esta jornalista não tem resposta. A BBC, porém, decidiu fazê-las a alguém mais credenciado: Kelly Grovier, autora do livro How Banksy Saved Art History, sem edição portuguesa. Refletindo sobre esta obra – a primeira depois de um interregno de mais de cinco meses –, a autora encontra uma mensagem existencial: “Qual é o nosso verdadeiro eu, a pessoa que somos ou aquela que podemos tornar-nos? Um questionamento de monta com o qual não esperamos ser confrontados enquanto passeamos por Marselha, numa tarde de término de maio.” Acrescentando que “por detrás dos seus stencils furtivos, esconde-se também um envolvimento profundo e deliberado com a história das ideias, desde o estoicismo clássico até ao desconstrucionismo pós-moderno.”
Mais primeiro, Kelly Grovier diz ainda o seguinte: “Qualquer pessoa interessada em desenredar a origem das ideias que inspiram a novidade obra de Banksy precisa exclusivamente de perfurar qualquer manual de história da filosofia sobre a célebre parábola da caverna de Platão (do tratado A República, do século IV a.C.) – e depois inverter a antiga metáfora. Na parábola de Platão, prisioneiros acorrentados dentro de uma caverna confundem sombras projetadas na parede com a verdade, sem saber que, no exterior, existem formas mais verdadeiras que lhes dão origem. Mas cá, Banksy, sendo Banksy, troca-nos as voltas ao inverter a estrutura da história, subvertendo a relação entre origem e sombra. No mural de Banksy, o modesto pilar não projeta uma versão diminuída de si mesmo, mas sim alguma coisa muito mais grandioso – um farol, símbolo de iluminação e orientação. Cá, é a silhueta, e não a verdade, que representa a verdade.”