O Preço Das Manifestações • Diário Económico

a d v e r t i s e m e n t
Os protestos pós-eleitorais em Moçambique estão a afectar profundamente a economia do País. Projecções optimistas de crescimento económico, inicialmente estabelecidas em 5,5% para este ano, enfrentam agora um cenário incerto. A continuidade das paralisações ameaça sectores-chave como a agricultura, infra-estruturas, turismo, logística e serviços. A situação compromete o desempenho dos indicadores macroeconómicos vitais como o investimento estrangeiro, o comércio interno e externo, a inflação e a estabilidade cambial. O que esperar?

O clima de instabilidade que se seguiu às recentes eleições gerais em Moçambique vai muito além das ruas e já começa a ter impactos visíveis na economia do País. Os protestos, que incluem a paralisação de actividades económicas, manifestações e interrupções nos serviços básicos, afectam directamente os principais indicadores macroeconómicos e lançam incertezas sobre a sustentabilidade das metas de crescimento.a d v e r t i s e m e n t

Inicialmente, o Governo e instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, estimaram o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 5,5% para 2024, sustentado, sobretudo, pela exploração de gás natural e pela recuperação em sectores-chave como o da agricultura, turismo e infra-estuturas. Contudo, este panorama pode deteriorar-se significativamente. A Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), uma das mais importantes organizações do sector privado, estima que o crescimento económico venha a ser de apenas 3,3%.

Impacto no PIB e no Crescimento

O facto é que as manifestações têm o potencial de desacelerar o crescimento económico. Os bloqueios de estradas e interrupções nas cadeias de fornecimento afectam directamente a produtividade em sectores estratégicos. A instabilidade política desincentiva o Investimento Directo Estrangeiro (IDE), essencial para financiar grandes projectos de infra-estruturas e energia. Por isso, caso a situação não seja resolvida rapidamente, as projecções de crescimento podem ser revistas em baixa, comprometendo os planos de desenvolvimento nacional. Mas como é que este fenómeno se reflecte em cada um dos sectores e como é que o mercado está a reagir?

Logística: efeitos em cadeia

O estudo da CTA, feito através de um inquérito a 260 empresas de diversos ramos de actividade, revela que diversas ligações têm sido adiadas ou canceladas. Só em 10 dias de manifestações foram canceladas 127 viagens nos transportes rodoviários, em média diária, correspondendo a perdas de receita estimadas na ordem dos 417 milhões de meticais.

A posição geográfica estratégica de Moçambique, enquanto corredor logístico para países do interior, como o Zimbabué, Maláui e Zâmbia, torna o sector dos transportes vital para a economia. As manifestações já afectaram, nalguns dias, as operações transfronteiriças, gerando prejuízos para os operadores logísticos e reduzindo a arrecadação de receitas em tarifas e taxas alfandegárias.

Caso se prolonguem, as manifestações podem interromper as operações em portos e ferrovias, gerando avultados prejuízos para os operadores logísticos e reduzindo a arrecadação de receitas em tarifas e taxas alfandegárias

A terceira fase das manifestações foi convocada justamente para incidir sobre portos e fronteiras. O estudo da CTA indica que os navios, que normalmente levam dois a três dias para atracar no porto de Maputo, passaram a levar mais tempo, entre sete e 10 dias, e alerta que, mesmo que não se tenham quantificado os danos, “as linhas de navegação pretendem aumentar os custos associados aos seguros, devido à percepção de risco com as manifestações”, lê-se no estudo.

A E&M contactou o porto de Maputo para apurar o grau de eventuais danos na actividade. Em resposta, as autoridades não confirmam as paralisações e dizem que levarão tempo a realizar o levantamento dos efeitos destas manifestações na actividade e nas contas do porto.

Prejuízos no Porto da Beira

A principal porta para o movimento de carga entre os países do ‘hinterland’ e o resto do mundo não fica alheio ao efeito das manifestações. Há dias, o administrador delegado da Cornelder Moçambique, empresa que opera o terminal do porto da Beira, revelou que, em média, são movimentados 700 camiões por dia, mas as manifestações vieram reduzir este número para menos de metade.

“Está difícil, agora, estimar o grau de prejuízo, mas os navios estão mais lentos por causa do congestionamento dos camiões. Os navios que dependem deste transporte ficam parados e isso provoca muitos problemas na fluidez da logística”. Ou seja, o prolongamento desta crise pode pôr em causa a competitividade deste porto.

Comércio em crise

A interrupção das actividades económicas afecta directamente o comércio interno e externo. As empresas enfrentam dificuldades para manter stocks e atender à procura, enquanto as exportações, especialmente de recursos naturais como o carvão e gás natural liquefeito, podem atrasar-se, reduzindo as receitas cambiais. Isto aumenta a pressão sobre as reservas internacionais, com potencial para desestabilizar o metical.

Na prática, o comércio externo em Moçambique está baseado nos corredores de desenvolvimento de Maputo, da Beira e de Nacala, sendo que é no corredor da capital que se concentra a maior parte das manifestações, através de barricadas nas estradas – especialmente na N4, que liga a África do Sul (maior parceiro comercial de Moçambique) – e com ameaças aos camionistas.

Devido às manifestações, turistas estrangeiros estão a cancelar reservas nos hotéis, com incidência na cidade de Maputo, local de estadia de 43% dos visitantes

Estas perturbações, aliadas ao bloqueio temporário da fronteira de Ressano Garcia, interromperam o fluxo normal de camiões, maioritariamente destinado ao porto de Maputo. “No geral, existe uma avaliação permanente por parte dos sul-africanos sobre a situação, pelo que um prolongar da paralisação pode prejudicar a carga em trânsito para o porto de Maputo”, avisa a CTA.

Turismo: recuperação ameaçada

Depois de anos de retracção devido à pandemia da covid-19, o sector do turismo vinha mostrando sinais de recuperação, com um aumento gradual de visitantes e investimentos em infra-estruturas. As manifestações, no entanto, criam uma percepção de insegurança, afastando visitantes estrangeiros e reduzindo a receita do sector. As perspectivas para a época festiva que se aproxima agravaram-se. Outros serviços associados também são directamente afectados, levando a uma cascata de perdas económicas.

A CTA refere que turistas estrangeiros estão a cancelar reservas nos hotéis moçambicanos, com incidência na cidade de Maputo (local de estadia de cerca de 43% dos visitantes estrangeiros, segundo dados do INE).

O levantamento avança ainda que, tendo em conta as estimativas de receita por turista em Moçambique, na casa dos 135 dólares por dia (segundo a Organização Mundial do Turismo), estão em risco importantes parcelas de uma receita de 1,3 mil milhões de meticais.

Os restaurantes também registam limitações de funcionamento e muitos reportaram que, mesmo em dias mais calmos, não conseguiram funcionar devido à ausência de trabalhadores, que enfrentam dificuldades de transporte. Grandes restaurantes optaram por providenciar transportes, mas alguns também foram impedidos de circular. A CTA teme que o sector da restauração possa acumular perdas na ordem de 1,5 mil milhões de meticais nos 10 dias de paralisação, durante as manifestações.

Instabilidade nos combustíveis

Segundo a Autoridade Reguladora de Energia (ARENE), citada pela CTA, existe um total de 848 postos de abastecimento de combustíveis em todo o País, 25% dos quais concentrados em Maputo. Estimando uma receita média diária de cerca de 456,1 milhões de meticais, e considerando que, durante os 10 dias de manifestações, os postos estiveram, pelo menos, dois dias sem operar e outros quatro dias em que trabalharam metade do dia, as estimativas de perdas atingem cerca de 1,8 mil milhões de meticais.

Diversos custos de transacção aumentaram em Moçambique, refere a CTA. Os operadores comerciais falam do aumento do custo de transporte de alimentos, derivado do aumento do risco da actividade

Por outro lado, alguns postos enfrentam problemas de abastecimento, devido aos bloqueios à circulação de camiões-cisterna. Por esta razão, “nalguns regista-se escassez de combustível, particularmente gasolina”, argumentou a CTA.

Agricultura: o pilar em risco

A agricultura, que emprega mais de 70% da população e é responsável por cerca de 25% do PIB, é altamente sensível a choques. As paralisações podem dificultar o transporte de produtos agrícolas para os mercados, gerando desperdício de colheitas e queda nos rendimentos dos agricultores. Adicionalmente, a interrupção no fornecimento de insumos, como fertilizantes e sementes, pode comprometer as próximas colheitas, aumentando a insegurança alimentar e reduzindo as (poucas) exportações agrícolas de castanha de caju, algodão e outras culturas de rendimento.

Sector financeiro foi afectado

Nos primeiros dias das manifestações, os bancos e instituições financeiras não abriram ao público. “Dados do mercado cambial são prova do quanto a paralisação das actividades terá afectado a economia. Estas paralisações resultaram na redução do turnover das transacções no mercado cambial (compras e vendas) em 75,3% onde, de uma média de cerca de 60 milhões de dólares, caiu para cerca de 14 milhões nos dias 24 e 25 de Outubro”, refere o relatório da CTA. Por causa desta situação, muitas salas de mercados adaptaram-se à situação, passando a privilegiar trabalho remoto e assegurar a continuidade dos negócios.

Uma avaliação às contas de cinco bancos comerciais (Millennium bim, BCI, Standard Bank, MozaBanco e Nedbank) conclui que a perda de receitas foi superior a 1,2 mil milhões de meticais nos 10 dias em que os bancos não estiveram a operar.

Menos IDE e arrecadação fiscal

A instabilidade política e social afasta investidores estrangeiros. Grandes projectos, como os de gás natural na bacia do Rovuma, podem enfrentar mais adiamentos, com impactos significativos no emprego e receitas fiscais.

A desaceleração económica reduz a arrecadação fiscal, agravando ainda mais o peso da dívida pública, que já é uma das mais altas da região. Com menos receitas, o Governo enfrenta dificuldades para cumprir compromissos financeiros, incluindo o pagamento da dívida externa.

A continuidade da instabilidade pode comprometer a imagem de Moçambique como um destino atractivo para negócios. Sectores-chave como o da energia e mineração, que dependem da estabilidade social para operar em larga escala, podem ser particularmente afectados, reduzindo a competitividade do País na região.

Inflação começou a subir?

É o que reporta a classe empresarial. “Diversos custos de transacção aumentaram em Moçambique. Os operadores comerciais falam do aumento do custo de transporte de alimentos, derivado do aumento do risco”, lê-se no relatório da CTA. Dos dados levantados, em média, os custos aumentaram 11% até à quarta fase das manifestações (estes dados não têm suporte nos relatórios do INE, instituição responsável por fazer a actualização periódica dos índices de preços). “Caso os operadores repassem este aumento para os preços, poder-se-á registar um aumento no custo da cesta básica” na ordem dos 964 meticais, segundo a organização patronal.

Juros e câmbio: impactos directos

As paralisações podem pressionar ainda mais o metical, especialmente se as exportações forem reduzidas e o IDE diminuir. A desvalorização da moeda, por sua vez, aumenta os custos de importação e alimenta a inflação. Em resposta, o Banco de Moçambique pode ser forçado a elevar as taxas de juro, encarecendo o crédito para empresas e famílias e limitando ainda mais o crescimento económico.

Para agravar… as vandalizações!

Um aspecto a não ignorar é o impacto das vandalizações a unidades empresariais durante as manifestações. As estimativas apontam para perdas de até 2,9 mil milhões de meticais até agora, por parte de 151 empresas de diversos ramos, com destaque para o comércio, em todo o País, pondo em causa cerca de 1200 postos de trabalho. Quais os potenciais riscos deste fenómeno?

Assaltos às unidades empresariais têm um impacto significativo no ambiente de negócios. Criam insegurança para os investidores e empresários, aumentam os custos operacionais das empresas, que passam a precisar de investir em medidas adicionais de segurança, como sistemas de vigilância, seguros e reforço de infra-estrutura. Além disso, os prejuízos materiais e a interrupção das actividades produtivas comprometem a competitividade e a capacidade de crescimento das empresas, especialmente as de pequeno e médio porte, que têm menos recursos para lidar com essas adversidades.

Do ponto de vista macroeconómico, estes crimes desincentivam novos investimentos e enfraquecem a confiança no mercado local, levando a uma redução na geração de emprego e no desenvolvimento económico. Quando recorrentes, criam uma percepção de instabilidade que pode afastar investidores externos e desmotivar iniciativas empreendedoras. Em última instância, as vandalizações e assaltos não apenas impactam directamente os negócios afectados, como também enfraquecem o tecido económico da região, prejudicando toda a comunidade.

Há ou não riscos graves?

Entretanto, e ao contrário da previsão feita pelos economistas e pelos empresários,  o governador do Banco de Moçambique (BdM), Rogério Zandamela, veio assegurar que a economia deve manter as taxas de crescimento inicialmente previstas, na ordem de 5,5%, já que os riscos resultantes deste fenómenos tinham sido já equacionados. “Por enquanto, com base nas informações actuais e na expectativa de que esta fase de instabilidade seja breve, as perspectivas para a economia mantêm-se positivas,” revelou Zandamela.

Este entendimento é similar ao da consultora britânica Capital Economics, que considera que os protestos em Moçambique não terão um impacto no crescimento a curto prazo. A diferença, porém, é que a consultora alerta para a possibilidade de aumento dos riscos de incumprimento das obrigações financeiras. “Quaisquer tentativas do Governo para afrouxar a política orçamental para compensar os efeitos dos protestos ou perturbações nos grandes projectos de gás vão fazer com que os riscos de incumprimento financeiro aumentem novamente”, lê-se numa nota sobre as manifestações no País.

Para a Capital Economics, o mais preocupante será um eventual momento em que o Governo resolver abrandar a disciplina orçamental para fazer concessões aos manifestantes ou colmatar o abrandamento da actividade económica, que resulta do fecho de lojas, comércio e indústrias.

“O Governo pode tentar compensar o choque económico através de uma política orçamental mais folgada, o que levantaria preocupações sobre o enquadramento orçamental e o empenho no cumprimento do programa acordado com o Fundo Monetário Internacional”, lembrando que os investidores reagiram mal à instabilidade, com os juros da dívida a subirem desde meados de Outubro.

O que pode acontecer?

Se as manifestações e as paralisações económicas persistirem, Moçambique enfrentará uma encruzilhada crítica: ou se resolve a crise e se resgata o potencial de crescimento, ou se mergulha num ciclo de retracção e instabilidade prolongada. A economia, como uma roda viva, depende do movimento. E cada dia de inércia é um passo atrás na corrida pelo desenvolvimento. A continuidade deste cenário pode cristalizar uma realidade de perda de empregos, fuga de investimentos e desvalorização do metical. Contudo, a história mostra que, mesmo em tempos difíceis, resiliência e diálogo podem reverter cenários adversos. A questão agora é se o País terá a liderança e a coesão necessárias para transformar as adversidades em oportunidades.

Texto: Celso Chambisso • Fotografia: iStock Photo & D.R.

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